As letras
escritas a partir do desenrolar do cotidiano marcam o novo álbum do Bazar Pamplona. O disco chegou para seduzir ouvidos bem sintonizados e dispostos a se
arriscar em nome da boa música.
Rock classe
A, pós-psicodelia, guitarras desafiadoras, um time de músicos que aposta
em arranjos ousados e um repertório com boas doses de sentimentos e temas
polêmicos compõem um universo próprio, onde transitam diversos acordes e uma
sinceridade reconhecida em cada verso.
"'Todo
futuro é fabuloso', que dá nome ao disco, é uma frase do escritor cubano Alejo
Carpentier usada como epígrafe no livro 'Jangada de Pedra', de José Saramago.
Fiquei com ela na cabeça e passei a imaginar coisas absurdas (como no livro)
que poderiam acontecer. Por exemplo: e se caísse uma chuva tão rápida que não
desse tempo de se proteger? Melhor tampar o céu. A música tem imagens absurdas
e fala sobre a imprevisibilidade do que pode acontecer. A mensagem que fica é:
'Não esqueçam de viver bem devagar'", explica o vocalista Estêvão Bertoni, autor
das letras do grupo.
Foram quatro
anos entre as primeiras ideias e a conclusão do CD. Ao longo desse tempo, o
Bazar Pamplona amadureceu, incorporou ideias e construiu um trabalho coeso,
cheio de ânimo e com ângulos inusitados sobre os fatos cotidianos.
Produzido
pelo músico João Erbetta (Los Pirata/ Marcelo Jeneci) em parceria com a banda,
o trabalho tem 13 faixas. Gravado em São Paulo e mixado nos EUA, traz
ilustrações de Gustavo Gialuca. É, certamente, o trabalho mais pop e maduro do
grupo até aqui, destacando as pungentes composições, que tratam de
relacionamentos, reflexões e fatos que marcam a vida dos integrantes da banda
na metrópole.
“Todo Futuro é Fabuloso” por
Alexandre Kupinski (Apanhador Só – RS)
Há quem não queira
acompanhar o ritmo alucinado com que o mundo vem funcionando.
Há quem sinta a dor da
perda de um ente querido e passe a pisar os mesmos passos que ele. Há quem não
encontre seu lugar no mundo assim tão fácil.
Há quem ache equilíbrio de
postura com um pé sabiamente firmado atrás. Há quem grite por menos desespero,
mantendo o desespero sempre vivo.
Há quem procure o que se
pensa perdido, talvez sem querer achar. Há quem levante a possibilidade do
caminho ser de fato maior do que as pernas, e dessas serem ainda maiores do que
as virilhas.
Há quem queira colorir o
que se mostra desabando, fazendo da poeira a base-mor do blush que aviva a
face.
Há quem faça de tudo isso matéria prima pra
instigantes canções, fazendo nascer magníficos álbuns como Todo Futuro É
Fabuloso. E assim como o título não deixa dúvidas sobre os futuros, também o
disco não deixa muita margem pra se questionar o quão fabulosa é a natureza
dele próprio.
Todo Futuro é Fabuloso
Cheia de energia trazida
por riffs firmes e pelo vocal rasgado de Estêvão Bertoni, essa faixa abre o
disco com toda a força e simplicidade do conselho que é cantado no seu refrão:
“Não esqueçam de viver bem devagar.”
Greve
A alegria do arranjo
contrasta corajosamente com a tristeza da história que é contada na letra: um
pai de família perdido alcoolicamente em meio ao marasmo gerado por uma greve
na fábrica onde trabalha. Tipo de assunto difícil de se cantar sem que se caia
em clichês de denúncia social ou tragédia pessoal, aqui esse é tratado de maneira
direta, mas sempre elegante.
O Gringo
Uma canção sobre o
estranhamento de não ser do lugar onde se está. O arranjo, mistura
interessantíssima, traz castanholas, chocalhos, violão de nylon e bandolim
misturados a guitarras distorcidas, baixo e bateria.
Quem Eles Pensam Que São?
A letra mais divertida do
álbum, cheia de humor auto-irônico a respeito do funcionamento interno da
própria banda. A faixa tem participação especial do sensacional Pélico nos
vocais e de uma pá de fãs e amigos que acompanham a banda por redes sociais e
que gravaram em suas casas declarações nas quais se apresentam e falam a
respeito dos mais variados assuntos.
Ela Tem Uma Ambulância
Uma introdução bastante
simpática numa canção de amor singela muito bem arranjada. Muitos instrumentos
se revezando, se somando, se completando. De deixar o sujeito afim de dar um
passeio ensolarado até o hospital mais próximo.
Declaração #1
Nada menos do que idéias
de amor dramáticas e exageradas cantadas em um minuto bem estruturado de
música.
Canção do Meio
“Você está no meio
agora/ainda demora pra acabar” canta o Bazar, no eixo exato do centro do disco.
E a canção não se esvazia nesse trocadilho poético-geométrico, mas vai além,
trazendo consigo questionamentos existencias embalados por uma melodia de voz,
um coro no refrão e intervenções de saxofone emocionantes.
É Tão Cafona O Que Eu Sinto Por Você
Dois ex-amantes especulam
sobre um possível futuro encontro casual entre os dois, criando um diálogo
imaginário carinhosamente burocrático e provocativo embalado por uma música
linda cheia de camadas tensas e leves. Participação especial da doce Lulina na
voz feminina.
Quero Ser Grande
Uma canção infantil que
arrebata os sensíveis de todas as idades descrevendo as mirabolantes fantasias
de uma criança criativa e bem-humorada.
Declaração #2
Reza a lenda que o
baixista Capanema fez esse registro em voz e violão espontaneamente, em um
intervalo das gravações no estúdio, sem saber que estava sendo gravado. Pois
ficou bom, então foi pro disco.
As Nuvens Não Tem Playground
Com arranjo que mistura
delicadeza e peso em ótimas medidas e bons timbres, essa música traz letra
cheia de imagens secas e diretas, como se fosse um ensaio fotográfico de um
acontecimento já um tanto remoto na memória de um sujeito melancólico.
Abaixo-Assinado
Quase uma meta-canção, um
meta-som que desdobra desde a maneira como o som se espalha fisicamente (mesmo
que sem rigor científico), chegando até uma dimensão bastante pessoal a
respeito de relações sociais e artísticas de quem canta, evocando inclusive a
figura do produtor do disco na letra e a habilidade do Estêvão de imprimir
personalidade no desafinar.
Faixa Bônus
A prometida faixa oculta
que nunca apareceu no primeiro álbum fora do projeto gráfico finalmente se
mostra como música aqui. E mostra uma cara ao mesmo tempo dramática e
esperançosa nesse fim do segundo disco da banda. Soa e versa como uma despedida
emocionante e sincera, com a sabedoria de quem deixa as coisas acabarem quando
têm de acabar.
Orgânico e
participativo são boas definições para a sonoridade conquistada pelos músicos
do Bazar Pamplona. Formado em São Paulo, o grupo transita entre o rock
alternativo contemporâneo e o flerte discreto com a MPB.
A música
passou a fazer parte do cardápio desses músicos desde cedo, mas o Bazar Pamplona
só passou a existir quando dois moradores de uma república de estudantes se
reuniram para tocar juntos. O quinteto traz raízes do interior paulista e de
Belém do Pará, terra do baterista Rodrigo Caldas.
Em 2006, com
produção de Paco Garcia (Los Pirata), o Bazar Pamplona lançou o EP 'Músicas que
caem em Pé e Correm Deitadas', com o qual chega ao projeto Prata da Casa, do
Sesc Pompeia (São Paulo) como destaque. Já em 2008, surge o primeiro CD do
grupo, 'À Espera das Nuvens Carregadas', com uma boa receptividade do
público e elogios.
Com nuances
harmônicas escondidas nas canções, o grupo apresenta o novo trabalho, 'Todo
Futuro é Fabuloso'. O disco faz justiça ao título, com músicas estimulantes e
apropriadas para ouvir antes e depois das paixões.
Radicado em
São Paulo, o Bazar Pamplona é Estêvão Bertoni (letras, vocal e guitarra), João
Victor dos Santos (guitarra), Rodrigo Caldas (bateria), Rafael Capanema (baixo
e teclado) e Pinguim Miranda (teclado e baixo).