No mundo artístico, existem pessoas que se "expõem" na linha de frente, digamos assim, colocando seu trabalho em contato direto com o público. Seja um ator encenando uma peça de teatro ou um filme no cinema, um artísta plástico expondo suas obras em uma galeria, um poeta recitando ou mesmo publicando suas poesias, ou um músico apresentando-se para uma platéia ou gravando suas composições e interpretações em disco. São estes que dão "rosto" à arte, por conta deste contato direto. Raramente algum dos artistas ou técnicos que atuam nos bastidores são lembrados pelo grande público, como criadores ou veículos das artes. E, convenhamos, são personagens importantes, imprescindíveis na verdade, mas o contato diário e direto do grande público é com o artista em sí e não com a parte técnica de uma obra artística, seja qual for. Poucos técnicos alcançam o nível de popularidade que os artistas geralmente atingem. É ingrato? Talvez. Mas é o que acontece normalmente.
Num mundo bem diferente do que conhecemos hoje em dia, longe da velocidade com que as novas tecnologias são inventadas e descartadas, um garoto norte-americano chamado Robert Moog conheceu um instrumento chamado theremin, inventado pelo russo naturalizado norte-americano Leon Theremin, nos anos 20. Robert Moog não só se interessou pelo theremin mas também aprendeu a fundo como funcionava toda a mágica que acontecia internamente, quando as mãos do executante se aproximavam ou afastavam do instrumento, alterando volume e afinação para criar uma música que parecia pertencer a outro planeta (não foi a toa que o theremin virou a marca sonora dos filmes de ficção científica nos anos 40 e 50). A paixão de Robert Moog pelo theremin o fez empreendedor e pioneiro na fabricação e comercio de kits do instrumento, que a pessoa podia facilmente (bom, acho que não tão facilmente) montar na sua própria casa. Em 1953 estava criada a R. A. Moog Co., empresa que mudaria completamente a música nos anos seguintes.
Ainda nos anos 50, Robert Moog vendeu algumas centenas de kits de theremin, num mundo onde a "interatividade" ainda era feita através de anúncios em revista, envio demorado pelo correio e contato direto entre fabricante e consumidor. Se hoje em dia é melhor ou pior, eu sei lá, mas é diferente. Muito diferente. Em 1963, um dos clientes da empresa de Robert Moog entrou em contato com ele, não só com dúvidas sobre o equipamento mas também com novas idéias e com algumas composições musicais eletrônicas próprias para apresentar ao novo amigo. No ano seguinte, Robert Moog e Herb Deutsch entraram na oficina do primeiro e só saíram de lá com um novo instrumento projetado, o sintetizador. Quer dizer, sintetizadores já existiam há quase uma década, como os famosos RCA MK I e RCA MK II (o segundo pertencia ao Columbia-Princeton Electronic Music Center, na Columbia University, onde Robert Moog concluiu seu bacharelado em engenharia eletrica, no início dos anos 60). A novidade era que, através de osciladores de voltagem controlada, a afinação e outros parâmetros do instrumento podiam facilmente ser controlados com certa precisão e com um teclado tipo de piano ou orgão. Estava criado o sintetizador Moog!
Em pouco tempo, a novidade correu todo o território americano, sendo utilizado em gravações de bandas tão diferentes entre si, dos Doors aos Monkees, do Simon & Garfunkel ao Frank Zappa, uma multidão de artistas e bandas passou a utilizar o equipamento. Mas a grande popularização veio com um álbum lançado no final de 1968, que trazia músicas do compositor Johann Sebastian Bach magistralmente executadas no sintetizador Moog. "Switched-on Bach" é um dos discos de música erudita mais vendidos de todos os tempos. De música clássica. De composições de um cara que viveu entre 1685 e 1750. De músicas executadas em um instrumento "sem tradição", inventado há menos de 4 anos. Atingiu a todos. A própria história da responsável pelo álbum, Wendy Carlos (na época Walter Carlos) era envolta em magia e mistério. Hoje sabe-se um pouco mais sobre este assunto, mas na época ser um transexual (sim, a Wendy se chamava Walter anteriormente por ter nascido mulher dentro de um corpo masculino) causava tanto espanto quanto os sons que ela obtinha com o sintetizador no LP. Quem não havia se rendido aos novos sons, rendia-se a partir de "Switched-on Bach". No mundo todo. Em praticamente todos os gêneros musicais. Dos Beatles aos Rolling Stones. Da Alemanha à India. Todo o mundo precisava ter um sintetizador. Mais: todo o mundo precisava ter um Moog. É lógico que surgiram muitos outros fabricantes, na sequência da invenção e comercialização do Moog, mas o sobrenome do garoto que amava os circuitos eletrônicos e os theremins acabou virando sinônimo quase absoluto da palavra "sintetizador". E pensar que tudo começou com uma pequena empresa, na metade dos anos 50. E pensar que tudo começou quase por acaso. E pensar que quase todas as coisas legais no mundo começaram assim. E pensar que um instrumento musical mudou completamente o mundo das artes, não só da música (o primeiro Modular Moog vendido pela empresa foi para um coreografo norte-americano chamado Alwin Nikolais. E, em 1968, Mick Jagger apareceu "fuçando" em um Modular Moog no filme Performance, lançado em 1970). E mudou a indústria de instrumentos eletrônicos e musicais.
Robert Moog vendeu sua empresa ainda no início dos anos 70, mas permaneceu na então renomeada Moog Music como engenheiro até 1977. Depois foi trabalhar com outras empresas, abriu uma nova e, felizmente, nos anos 2000, conseguiu readquirir a Moog Music. Infelizmente faleceu em agosto de 2005. Felizmente estava contente, fazendo o que gostava, sendo o cara simples, acessível e sorridente que sempre foi. O homem ajudou a mudar o mudar o mundo. Meu único contato direto com ele foi através de um email que enviei em 2004, com uma foto da tatuagem com o logo da marca que ele criou no meu braço direito. A resposta dele foi um "wow". Não poderia ser diferente, imagino o garoto que construia theremins, um instrumento inventado na Russia, vendo uma fotografia de um cara no Brazil, com seu sobrenome tatuado no braço. Isso, serei eternamente grato por mudar minha vida. Obrigado e feliz aniversário, Robert Moog!
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